quarta-feira, 13 de maio de 2009

Hortelã Pimenta


Encontrava-me em frente daquela porta, fechada, tão cheia daquele cheiro familiar a hortelã pimenta que esvoaçava pela casa actualmente tão incrivelmente vazia. Tinha nos cantos as marcas de uma vida inteira de alegria e vontade de viver. E o que fazia eu ali? De mãos atadas, de pensamentos confusos, de garganta seca cheia de medo. O que esperava por mim era algo que não podia evitar, mas será que seria agora altura de me confrontar com o meu maior medo?
Encostei a palma da mão gelada à madeira envernizada da porta que me parecia estar a ferver. Um arrepio frio percorreu-me as costas e o último fluxo de forças abandonou o corpo. Tinha de sair dali.
Afastei-me da porta e entrei na sala, escura e pesada. O sofá onde o vira sentado tantas vezes, de óculos apoiados no nariz e olhar absorto em ternura, parecia agora mais vazio que nunca. A avó tinha fechado as janelas e apenas um raio tímido de Sol se atrevia a passar pelas frestas da portada já cansada das noites de farra de antigamente. O relógio de pêndulo fazia a sala ter um ambiente ainda mais soturno, mas pelo menos ali conseguia respirar.
O meu peito contraiu-se quando vi os óculos delicadamente poisados em cima da mesa de vidro que acumulara pó. A avó tinha abandonado as limpezas, naquela altura havia coisas mais importantes a fazer!
Ouvi passos no corredor e corri para fechar a porta, precisava de respirar sozinha, precisava de tempo para absorver tudo o que havia acontecido. Nunca fora religiosa, mas agora que me encontrava ali arrependia-me arduamente de não o ser. Abracei-me a mim mesma e sentei-me no tapete onde tantas vezes o ouvira cantar o fado. Porque tinha tudo de mudar?
A televisão, incrivelmente pequena e engraçada, era a única peça que puxava a sala para o século vinte e um, todo o resto se caracterizava pelo seu aspecto já entristecido e vivido.
Fechei os olhos à espera de ouvir os meu próprios pensamentos mas, e pela primeira vez em toda a minha vida, só se ouvia o silêncio. Uma lágrima teimosa e indomável escorreu-me pela face, mas o silêncio permaneceu.
O relógio de pêndulo anunciou que já eram cinco horas, e casa entrou na euforia do costume, há coisas que não mudam. Levantei-me rapidamente e saí daquela sala. No corredor o cheiro sufocante a hortelã pimenta voltou a invadir-me. A porta estava agora entreaberta como se me convidasse a entrar, como se tentasse fazer com que fosse impossível passar por ela e não entrar.
E lá estava eu outra vez, mesmo em frente da porta de mãos atadas, de mente confusa e silenciosa. Coloquei a mão no puxador e respirei fundo.
Ouvi foi o barulho abafado do pêndulo e o reflectir dos raios nas lentes dos óculos, era agora...
Abri a porta marcada pelo tempo e por uma vida inteira de alegria e vontade de viver.