
Sorte é algo relativo. Para muitos sorte seria chegar a casa depois de um dia complicado e não ter de se preocuparem com mais nada. Para outros é sair o euromilhões para finalmente puderem ir naquelas férias de sonho. E por pequenas fracções do dia pensamos: “´É hoje!” É hoje que o universo nos vai atirar aquela migalha satisfazendo os nossos pedidos, nas nossas cansadas cabeças, muito consideráveis!
Mas penso que o que me fez sair de casa neste chuvoso dia de Abril não foi a sorte ou o azar, nem o dever ou a obrigação...vim para aqui para ouvir os meus pensamentos, aqueles que mantenho em ruído de fundo para que não afectem a concentração, não posso deixar que falem porque não posso sentir.
Dramático? Talvez, mas duvido que exista alguém que discorde.
Olho em volta de todas as pessoas que passam naquela maratona do “Estou atrasado!” ou do “Ela vai-me matar!” mas só uma pessoa me sobressai. Um rapaz que brinca com a ponta do chapéu de chuva numa poça de água e que não parece afectado pelo mundo.
Chove a potes. Sorte a dos que podem vê-lo de perto, sentir o frio, ouvir a chuva... Azar o dos que se esqueceram do chapéu, azar o dos que não gostam de chuva. Mas já a minha avó dizia “A chuva é cá precisa” e sabedorias destas não se podem, nem se devem ignorar.
Mexe-se no banco como se toda a panorâmica da cidade o divertisse. Com um – e só um! – phone nos ouvidos parece absorver tudo o que o envolve: os barulhos, os movimentos, as imagens. Como se nunca quisesse esquece-los, como se desenha-se na sua mente um guião de um filme que varia tão rapidamente entre comédia e acção, romance ou aventura.
Pego no caderno, há algo de muito especial nas suas páginas amarelecidas da idade que faz com que ande sempre com ele. Foi-me oferecido por alguém muito especial que me disse: “Não penses numa história, escreve-a” e durante anos me atormentei com a ideia de que o tinha de guardar para algo especial até que me apercebi que tudo o que escreve-se seria especial se escreve-se o que pensava.
Hora de ponta, na paragem as pessoas comprimiam-se para que todas tivessem um espacinho seco enquanto esperavam pela única coisa que ainda era certa nas suas vidas. E sem pensar, levantei-me e deixei que uma senhora sentar-se no meu lugar, saí do pequeno cubículo e pela primeira vez durante toda a tarde senti as gotas de chuva na minha pele. Arrumei o caderno, mas sem pressas, se se molhasse só o iria tornar mais mágico.
Dentro da minha cabeça cada pensamento queria falar mais alto, até que só se ouviam gritos confusos, mas sabia bem, sabia bem ouvir-me no meio dos sons avassaladores da cidade.
Dei-me permissão para sorrir.
O rapaz saiu do cubículo e olhou para mim como se eu tivesse perdido do juízo...depois, para grande surpresa minha, sorriu também. E ficamos ali os dois, duas personagens de uma história que ainda nem tinha começado...
A vida é engraçada... Às vezes tudo o que queremos é que o destino deixe a sorte passar em forma de monstro de quatro rodas...